11 setembro 2006

Sobre a valorização

Valorizemos a nossa cultura, valorizemos as línguas nacionais!
Um discurso organicista, de apelo às raízes, a raízes puras.
Falamos como se cultura e línguas fossem imunes ao tempo, impermeáveis à mudança, como se fossem algo de preciso tactilmente, algo que pudessemos tocar a qualquer momento.
Como se os utentes dessa cultura e dessas línguas algum dia se tivessem posto a si-próprios o problema de saberem se estão fora ou dentro delas! E que se dentro, mais dentro deviam estar!
Que tristeza diluviana não sentem alguns quando, na agrimensura das línguas nacionais, na sua gramaticalização, se defrontam com vocábulos novos, estrangeiros, intrusivos. Que desgraça semelhante virose!
Na verdade, intelectuais há que ganham úlceras só de pensar que uma determinada língua evoluiu e agrega hoje componentes de outras línguas.
Hoje ainda consideramos estrangeira a língua portuguesa, falada em Moçambique desde 1505, numa área onde só bem mais tarde, na mestiçagem cultural do sertão, se começaria a falar Chisena.
Intelectuais há que segregam anticorpos só de pensar que as tchuna-babes substituem as capulanas (cujos antepassados, os bertangins, nos vieram da Índia) ou com elas ombreiam na estética das nossas mulheres.
Tempo houve já em que gente havia -e certamente ainda há -interrogando-se sobre a origem estrangeira da nossa marrabenta.
E certamente muitos sofrem por não poderem ter um tufo rebelde à influência islâmica, um tufo continental, caseiro, hostil à costa e às culturas híbridas do mar, culturas que nos trouxeram a mandioca, a papaia, o caju, a laranja, a banana, o trigo e por aí fora.

Quanto mais os nossos intelectuais orgânicos do sistema se universalizam, quando mais vivem um imenso mundo intercultural nos trilhos da informática, dos seminários e das viagens em executiva, mais desejam que o povo viva para sempre na rodoma de uma amada cultura aldeã, intacta, repleta de tropismos locais, imune à perigosa muchem da mudança e da modernidade.
Para brincar um pouco com uma frase de Wright Mills, muitos deles desejam ver um povo não de radicais ou de reaccionários, mas de inaccionários.

2 comentários:

Anónimo disse...

A preocupacao que temos em separar o que e nosso do que e do outro,se esta certo assimilar isto ou aquilo, quando e como devemos fazer torna essa valorizacao dificil e complexa.Mas aqui estamos nos, prontos a valorizar tudo que nos acrescente "positivamente" a nivel de eu como individuo ou eu como colectivo. Bjs. Tuchamz

Carlos Serra disse...

O nosso grande drama, o parentesco "clânico", a fagocitose do outro.