26 julho 2008

A cabeça e o jeitinho do Moçambicano (2) (fim)


Eis o término desta curta série.
O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta estabeleceu a tese de que o Brasil era um país hierárquico, "no qual a posição e a origem social são fundamentais para definir o que se pode e o que não se pode fazer; para saber se a pessoa está acima da lei ou se terá de cumpri-la. É assim que a herança escravista se manifesta no Brasil: os brasileiros lidam mal com a igualdade. Da Matta imortalizou a expressão "você sabe com quem está falando?", como o símbolo maior do carácter hierarárquico da nossa sociedade" (da introdução ao livro de Alberto Carlos Almeida, citado no primeiro número desta série).
Ora, o sociólogo Almeida decidiu verificar se DaMatta tinha razão, através de uma extensa pesquisa empírica no seu país, com amostra probabilística.
A conclusão é a seguinte: o Brasil está dividido entre o arcaico e o moderno. De facto, DaMatta tinha razão no que concerne ao Brasil arcaico: este Brasil "é hierárquico, familista, patrimonialista e aprova tanto o "jeitinho" quanto um amplo leque de comportamentos similares" (a favor da lei de talião - linchamentos, por exemplo -, contra o liberalismo sexual, a favor de maior intervenção do Estado na economia, a favor da censura, com crença fatalista no destino, etc.). Porém, o Brasil moderno, o Brasil escolarizado, com maior formação académica, é diferente, é exactamente o oposto do Brasil arcaico, os Brasileiros modernos são os da "mentalidade democrática".
Por outras palavras: quanto menos escolarizado for o Brasileiro, mais ele aceita a quebra da lei, mais ele é a favor do "jeitinho" (o nosso cunhadismo, o nosso esquema). Quanto mais escolarizado, menos adepto da corrupção é, menos aceita os linchamentos, a hierarquia, o fatalismo, etc.
Ora, aqui está uma área temática fascinante. Estará alguém interessado em fazer um estudo similar no nosso país? Uma pergunta jeitosa: poder-se-ia chegar à conclusão de que em Moçambique uma maior escolarização corresponde, de facto, a um menor grau de corrupção? Enfim: como é a variada cabeça do Moçambicano? Como é o seu jeitinho?
Nota: chamo a atenção para as críticas ao livro colocadas no primeiro número desta série.

7 comentários:

Anónimo disse...

Interessante,

O Prof. pergunta,

"poder-se-ia chegar à conclusão de que em Moçambique uma maior escolarização corresponde, de facto, a um menor grau de corrupção? "

Ainda a meio da leitura do texto, antes de ver a sua pergunta, a pergunta que surgiu foi logo:

"Sera' de que um maior nivel de escolarização em Moçambique, significaria um menor nivel de violencia (de todas as formas)? Ou ha' outros factores que pesam mais? "

Quanto a sua pergunta (que na minha opiniao me parece mais complexa do que aparenta a primeira vista) e':

Acho que ha algumas possibilidades de haver uma correlação entre uma maior escolarização e menor grau de corrupção. Mas, tenho sinceras duvidas que no nosso pais,a escola molde mentalidades. E o problema da corrupção (e outros la perto), me parece mesmo um problema de mentalidade.

Acho que Educação e' capaz de mudar muita coisa. Mas aqui esta', nao sei ate' que ponto (ou se) "Educação" e "Escolarização" dizem respeito a mesmo coisa.

V.I

Anónimo disse...

No Brasil, nem todos concordaram com as teses do livro... http://napraticaateoriaeoutra.wordpress.com/2007/09/21/a-cabeca-do-brasileiro/
http://ohermenauta.wordpress.com/2008/05/10/os-votos-estavam-verdes/

Carlos Serra disse...

Há montes de variáveis a ter em conta e Carlos Alberto tem-las em grande quantidade no seu registo percepcional do povo brasileiro, registo que tem muitas variações regionais. Não tenho qualquer dúvida de que daria uma bela pesquisa no país.

Anónimo disse...

Não li o livro, mas tenho dúvidas se valeria o esforço para se chegar a conclusões semelhantes as que o sujeito chegou. Olha, dizer que o brasileiro pobre e pouco educado é mais propenso a aceitar a corrupção do que o educado é, no mínimo, fazer vista grossa a toda história brasileira, na qual o jeitinho esteve bem presente nas práticas das elites (o caso Dantas, em todos os jornais brasileiros no momento, é bastante ilustrativo). Se a pesquisa foi feita com base em percepções, imagino que a melhor conclusão seria: quando mais educado o cidadão, melhor ele saberá como responder a questionários. Ou seja, de maneira politicamente correta. Claro, na hora do voto, no escurinho da cabina de voto, são outras as variáveis, principalmente aquelas relacionadas ao bolso. Em Moçambique, creio, os resultados não seriam muito diferentes. Nas pesquisas do Afrobarometer, é clara a influência do politicamente correto nas respostas.

Anónimo disse...

Para um visão mais institucionalista da realidade brasileira, recomendo o livro do Schwartzman, Bases do Autoritarismo Brasileiro, disponível aqui http://www.schwartzman.org.br/simon/bases/bases.htm#_1_2

Carlos Serra disse...

Existem muitas coisas que se podem discutir no tocante à tese de Alberto. Por outrolado, é absolutamente correcta a precaução no tocante ao politicamente correcto das respostas.

Anónimo disse...

Sem querer discordar com as pesquisas mas um facto é que quanto maior o nivel de informação (escolarização) maior a probabilidade de tirar proveito desta posição. Porque o que sucede é que a escolarização nos remete a um certo nivel social e para poder corresponder com as "expectativas de todos" tudo é feito no sentido de mostrar que é mais escolado e em consequencia, maior nivel de vida e reputação, o que em muitas vezes, propicia a corrupção, quer dizer, aqui a pessoa é tentada a tudo fazer para, de facto, ser o mais mais em tudo.