23 abril 2009

Pugilismo ideológico

Amo ouvir os debates da Assembleia da República através da Rádio Moçambique - excepcional laboratório para estudo dos discursos feitos pelas cabeças pensantes dos nosso deputados -, mas, infelizmente, nem sempre tenho tempo para isso. Todavia, hoje, aqui no meu gabinete universitário, tive esse esse prazer. E, uma vez mais, apercebi-me de quantas coisas importantes, vitais, merecedoras de debate sério e de pesquisa aprofundada, são completamente deixadas ao sabor da emoção política e do recíproco ataque imediato, com Frelimo e Renamo apenas interessadas no belicismo verbal, no papagaísmo ideológico e no auto-reverencialismo sem fim. Porque prisioneiros dos seus partidos em dura luta, os deputados perdem por completo a lucidez crítica e a independência pensante, atolando-se por inteiro na disciplina partidária acrítica e seguidista. O problema central deixa de ser o fenómeno A ou B, mas o facto de o partido A ou B ser o nosso inimigo. A Frelimo apresenta um relatório ou uma proposta: logo a Renamo tem ambos por aleivosos porque produto de um comunismo estrutural e malévolo; a Renamo faz uma crítica que devia ser analisada: logo a Frelimo defende que a proposta é produto do anti-nacionalismo e do terrorismo imutável da Renamo. Cada um dos partidos acusa o outro de violência no preciso momento em que está a ser inequivocamente violento. No meu livro "Combates pela mentalidade sociológica" (1997) escrevi um pouco sobre isso, sobre essa cegueira nacional produzida pelo pugilismo partidário. Fenómeno sociológico fascinante, fenómeno social doloroso.

9 comentários:

Shirangano disse...

Essas atitudes são reflexos da falta de argumento típico de nossos políticos moçambicanos apóstolos do clientilismos. Estão preocupados com os seus partidos em detrimento da nação. Deus nos acuda!

Anónimo disse...

Prof.
Só para corrigir estão mais preoucupados com os bolsos e four by four(ouvi isto em algum lado alguem me ajuda?)

Anónimo disse...

Deveriam peocupar-se mais com a realidade seguinte:

Transcrição:

Numa investigação especial para o jornal o metical, Joseph Hanlon analisa a economia de Moçambique dos últimos anos para concluir que muito do seu crescimento é devido ao tráfico de drogas.

O tráfico de drogas é o maior negócio em Moçambique. O valor das drogas ilegais que passam através de Moçambique representa provavelmente mais do que todo o comércio externo legal combinado, de acordo com peritos internacionais. O rendimento desta actividade, embora não declarado, deve ter hoje um enorme impacto na economia moçambicana. De facto, o dinheiro da droga deve ser um dos factores que pesa no crescimento record de Moçambique nos últimos anos.
Moçambique ainda não passa de um actor secundário no cenário internacional da droga. Mas porque se trata de um país muito pobre, estas relativamente pequenas quantidades de dinheiro devem produzir um grande impacto social e económico. Os especialistas estimam que por Moçambique, actualmente, passam por mês mais de uma tonelada de cocaína e heroína. O preço de retalho destas drogas é de cerca de 50 milhões de US$. Parte deste dinheiro, talvez 2,5 milhões de US$, ficam com traficantes dentro de Moçambique.
Este negócio só é possível com o acordo da polícia e funcionários muito importantes de Moçambique.
O Guardian de Londres reportou recentemente que o antigo governador de uma província do México recebia 500 000 US$ por cada carregamento de cocaína passando pela sua província. Se o mesmo não se passa em Moçambique, é altura de os altos funcionários renegociarem com os traficantes a sua parte.
O comércio da droga tornou-se importante em Moçambique apenas nos finais dos anos 90 quando os grandes traficantes começaram a procurar rotas alternativas, menos acessíveis ao controlo das agências internacionais. Moçambique passou a ser mais atractivo com o fim da guerra quando se restabeleceram as comunicações através do país. A longa linha costeira, com muitas ilhas e sem marinha, facilita a movimentação de droga. Os baixos salários e o clima de corrupção tornam fácil corromper polícias e outros funcionários.
Os peritos internacionais afirmam que a polícia moçambicana é corrupta quase toda e o aeroporto é considerado "aberto" e acessível a idas e vindas dos portadores de droga. O resultado é que Moçambique é não só um país de trânsito mas também um centro de armazenagem. Como em qualquer negócio, os traficantes precisam de fazer "stocks". Em muitos países isto é arriscado por causa das rusgas a armazéns – mas não em Moçambique. O traficante pode manter a droga aqui armazenada enquanto aguarda encomendas.
Parece haver duas importantes rotas de droga. A heroína movimenta-se do Paquistão para o Dubai para a Tanzania e para Moçambique, e depois para a Europa.
A cocaína vai da Colombia para o Brasil para Moçambique e segue para a Europa e Ásia de Leste.
Durante muito tempo Moçambique tem sido também grande centro de trânsito para a resina de cânhamo (Cannabis sativa), ou haxixe. As autoridades internacionais consideram-na uma droga leve e dão-lhe menos atenção. Mas ela acrescenta largos milhões de dólares aos lucros dos traficantes.
Quase toda a droga é transportada para fora da África Austral, mas o consumo na África do Sul está em crescimento e os traficantes a partir de Moçambique estão a estabelecer presença no país vizinho. Este comércio deve valer vários milhões de dólares por ano.
Há finalmente o Mandrax (metaquolona) que é consumido quase exclusivamente na África do Sul. Muito do mandrax transita por Moçambique, ou é feito aqui, mas os peritos em drogas dizem que o consumo está em declínio à medida que os consumidores passam para a cocaína.
Como se dispõe do dinheiro. Os lucros de moçambicanos envolvidos no comércio da droga devem ser de milhões de dólares por ano. Parte deste dinheiro é depositado em bancos no estrangeiro e usado para investimentos no exterior – o que significa que bancos, casas de cambio e casinos em Moçambique são provavelmente usados para lavagem de dinheiro.
Moçambique actualmente tem 10 bancos e cerca de trinta casas de cambio, provavelmente mais do que o tamanho da economia legal justificaria. Vários destes bancos parecem ter pouca ligação com a economia interna e fazem os seus lucros à base de transacções cambiais de moeda estrangeira, particularmente proveniente da indústria da ajuda internacional. Não surpreenderia se também fizessem lavagem de dinheiro.
Mas fica em Moçambique uma parte significativa deste dinheiro.
Onde?
Algum é usado para consumo – casas e carros de luxo, festas requintadas, etc.
Mas os traficantes tentam também converter uma quantidade substancial de dinheiro da droga em propriedades legais que podem render ou ser vendidas mais tarde, sem que se façam perguntas. Este dinheiro tem provavelmente contribuído para a explosão de novas construções em Maputo (e talvez Nampula ou Pemba). Aí não seriam apenas mansões, mas também novos prédios e hotéis.
O investimento no turismo é útil porque é sempre possível declarar mais hóspedes do que os reais, por exemplo num hotel, e com isto esconder lucros futuros provenientes da droga.
Hotéis são também uma base segura para portadores de droga.
O turismo e a banca representam 18% do investimento total dos anos 90, de acordo com um estudo de Carlos Nuno Castel-Branco. Não surpreenderia que uma parte importante dele fosse dinheiro da droga.
Uma área importante de investimento para dinheiro ilegítimo são acções e títulos – o comprador pode pagar em dinheiro com poucas explicações a dar. Mas ao revender títulos e acções, os rendimentos passam a ser honestos.
O presidente da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), Jussub Nurmamade, disse a 7 de Junho que o rápido crescimento da BVM era "único": "começámos com 3 milhões de US$ e ainda ão passaram dois anos" – disse aos jornalistas.
Hoje o valor das cinco companhias listadas na bolsa mais os títulos do tesouro e dos bancos somam 60 milhões de US$ e Nurmamade prevê chegar aos 100 milhões em Outubro. No ano passado o BIM pasou a ser a primeira companhia privada a emitir os seus próprios títulos, que são agora negociados na BVM. A emissão de títulos foi para 80 biliões de Meticais (na altura mais de 5 milhões US$), vencendo em cinco anos.
Como pode uma economia tão pequena como a de Moçambique encontrar 100 milhões de US$ em tão curto espaço de tempo? O que torna Moçambique "único" deve ser o dinheiro da droga.
Assim, olhando para a rapidíssima expansão da banca e da bolsa de valores, o "boom" na construção, o crescimento do investimento no turismo e, finalmente, o aumento do consumo de bens de luxo, podemos provavelmente contabilizar uma porção significativa de dezenas de milhões de dólares anuais de lucros da droga.
(Joseph Hanlon)

Anónimo disse...

Prof.
Grandes Mudanças
Conselho Constitucional Juíz Luis António Mondlane;
Tribunal Supremo Ozias Pondja;
Tribunal Administrativo Machatine Paulo Munguambe.
Fonte RM (Noticiario das 13:00)

Anónimo disse...

http://www.maputo.co.mz/por/content/pdf/26925

Anónimo disse...

Sobre o assunto de capa, quero crer que os dois antigos contendores toleram-se mas não se suportam. Na guerra terminada não houve vencido nem vencedor pela força das armas, embora possamos considerar que a Renamo obrigou o governo da Frelimo a sentar-se a mesa e negociar. Por parte dos guerrilheiros da Renamo não houve uma entrada triunfal na capital como o fizeram Fidel, Kagamé e Kabila ( pai).
As sequelas da guerra e das diferenças ideologicas ( ? ) ainda persistem daí o facto de alguns históricos da Frelimo terem traçado como meta o fim da Renamo e estão conseguindo. Por sua vez a Frelimo considera que a Renamo só a quer destruír e denegrir, conforme o atestou a dias o Sr. Jorge Rebelo. Daí o ódio que destilam no podio da assembleia da Republica. Esquecem-se de considerar o que é melhor para o pais e envolvem se em diatribes sem fim. Que venha uma terceira força, cheia de juventude não comprometida com guerras e agendas escusas para salvar a pátria.

Carlos Serra disse...

Estou atento às nomeações feitas, obrigado.

umBhalane disse...

"Por parte dos guerrilheiros da Renamo não houve uma entrada triunfal na capital como o fizeram Fidel, Kagamé e Kabila ( pai)."

Aqui está um pormenor importantíssimo. De quem sabe.

Mas a Renamo tinha, de facto, áreas libertadas

E tinha levado a guerra de libertação a

TODO O MOÇAMBIQUE.

Além de precisão,

É um facto histórico.

Carlos Serra disse...

De um leitor estrangeiro, devidamente identificado, recebi um email com o seguinte teor "provocador": "Estimado Carlos: O nivel de debate é fraco porque na nossa terra nao ha, nem nunca houve, uma tradiçao de debate.
No Reino Unido, nos EUA, na Australia, Nova Zelandia, Canada, India, Pakistao, etc, os mufanas aprendem debate nas escolas e liceus. Nesses paises, até ha campeonatos escolares nacionais de debate. MOZ so tem o Moçambola...
Os cocuanas sao "hopeless". O melhor entao é investir nos mufanas, do Rovuma ao Umbeluzi. Jornais nacionais, como o Savana, até poderiam sponsorizar campeonatos escolares provinciais de debate, sobre temas MOZ. O seu blog tambem podera jogar um papel importante, espicaçando as autoridades escolares nessa direcçao. SFF faça uma busca no Google sobre, por exemplo, school & debate: vai ficar espantado."
Seria interessante ouvir a opinião dos outros leitores deste diário.