22 abril 2014

Capital mágico

Dificilmente cada um de nós escapa, na inteligência espontânea das coisas, à busca do absoluto e das forças intencionais. O chamado azar mais não é, afinal, do que uma intenção esvaziada de seu conteúdo. Peguemos nos dados, interroguemo-nos sobre a nossa confiança neste ou naquelo número (por que temos mais fé num número colocado, por exemplo, em quatro faces do que no colocado em duas?), na "sorte" que sentimos quando um dos nossos desejos se realiza, perscrutemos a atribuição de uma intenção ao que nos acontece imprevistamente, etc. Vamos na Avenida Eduardo Mondlane, um carro vai de encontro a nós, ficamos feridos: quantos de nós se recusariam a ver nisso não o produto de uma causa ou de um conjunto de causas fortuitas (ou, para dizer como Cournot, "o reencontro de séries causais diferentes"), mas a expressão do azar, a misteriosa sombra de uma intenção subreptícia que nos teria escolhido precisamente a nós e não a outros? Existe uma espécie de capital mágico em todos nós, sempre pronto a vir à superfície à mais pequena oportunidade.